A morte de mais de 130 pessoas em uma única operação no Rio de Janeiro – entre elas, quatro policiais – reacendeu um debate que o Brasil conhece bem, mas que sempre volta envolto em polêmica: o da GLO, a Garantia da Lei e da Ordem.
O dispositivo, previsto na Constituição, dá ao presidente da República o poder de autorizar o uso das Forças Armadas em ações de segurança pública, quando as polícias estaduais já não conseguem manter o controle.
Nesta terça-feira, após a megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, o governador Cláudio Castro (PL) disse estar “sozinho” no enfrentamento ao crime e acusou o governo federal de se recusar a decretar uma GLO. O Palácio do Planalto, por outro lado, negou qualquer pedido formal. Segundo o governo Lula, só é possível mobilizar Exército, Marinha e Aeronáutica mediante decreto presidencial.
Até o momento, o governo do Rio confirma 64 mortos na operação — quatro policiais e 60 criminosos. No entanto, o número pode ser ainda maior: moradores encontraram cerca de 70 corpos em uma área de mata na Penha que, segundo eles, não estão incluídos na contagem oficial. Com isso, o total de vítimas pode ultrapassar 130.


A Garantia da Lei e da Ordem, a GLO, é uma medida extrema, acionada apenas em situações excepcionais, quando há esgotamento dos meios normais de segurança pública. Prevista na Lei Complementar nº 97, ela autoriza as Forças Armadas a atuarem com poder de polícia temporário e restrito, para restabelecer a ordem pública e proteger pessoas e patrimônios.
Durante o período de GLO, os militares assumem o comando operacional das forças de segurança locais. Isso significa que polícias civis e militares passam a atuar sob a coordenação das Forças Armadas, conforme as diretrizes do decreto presidencial.
O documento define o prazo, as áreas de atuação e as regras de engajamento — ou seja, até onde as tropas podem ir no uso da força.

Governo Lula x governo Cláudio Castro: por que o tema voltou ao centro da crise
O governador Cláudio Castro afirmou que o governo federal teria negado três pedidos de empréstimo de blindados das Forças Armadas para operações policiais no Rio. Segundo ele, a justificativa foi: “Para emprestar o blindado, tinha que ter GLO, e o presidente é contra a GLO.”
O Ministério da Defesa confirmou ter recebido um ofício do governo fluminense em janeiro, mas explicou que só poderia atender ao pedido mediante decreto presidencial. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, reagiu dizendo que nenhum pedido formal de GLO foi feito, atribuindo a responsabilidade pela segurança ao governador. “A responsabilidade é, sim, do governador”, disse.

Depois, Castro amenizou o tom: disse ter sido mal interpretado e que não chegou a pedir ajuda direta. “Houve uma leitura errada da minha fala”, disse Castro. “Eu não pedi ajuda. A pergunta do repórter foi se o governo federal estava participando da operação, eu falei que não e perguntaram por quê. Nas últimas três ocasiões, pedimos blindados e a resposta foi que só poderiam ser cedidos com GLO. Como o presidente é contra [a GLO], não adiantava pedir de novo”, falou.
Quando a GLO é usada
A GLO costuma ser acionada em situações de grave perturbação da ordem, como rebeliões, grandes protestos, ou em eventos de grande porte — Copa do Mundo, Olimpíadas, reuniões internacionais.
Desde que assumiu o governo, o presidente Lula já decretou três GLOs no Rio de Janeiro, todas em áreas estratégicas como portos e aeroportos, durante o G20 e o encontro do Brics.
Mas o uso do instrumento é sempre controverso. Críticos afirmam que militares não são treinados para o policiamento urbano e que a medida pode agravar a violência em vez de controlá-la. Já defensores argumentam que, em cenários extremos como o atual, o Rio precisa de uma “lei de guerra” para retomar o controle sobre territórios dominados pelo crime organizado.


